Um projeto nascido dentro de uma sala de aula em Luziânia (GO) pode representar um avanço importante para o futuro da indústria têxtil sustentável. A professora de Biologia Gabrielle Rosa Silva, de 29 anos, e o estudante do ensino médio Thiago Alves dos Santos, 18, desenvolveram um tecido inovador feito a partir do bagaço da cana-de-açúcar, material que costuma ser descartado após a extração do caldo.
A iniciativa, que une ciência e consciência ambiental, foi escolhida para representar Goiás na II Feira de BioInovação Territórios do Brasil (FBioT Brasil), marcada para o fim de novembro, na Bahia.
Ideia que brotou da curiosidade
O ponto de partida do experimento surgiu durante pesquisas sobre o reaproveitamento de resíduos naturais. “Queríamos desenvolver algo que tivesse origem em um material com alto teor de celulose e que fosse facilmente encontrado na região. O bagaço da cana se mostrou perfeito”, contou Gabrielle, que leciona no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Osvaldo da Costa Meireles.
Thiago, autor da proposta inicial, explica que a motivação veio da preocupação com o impacto ambiental da indústria da moda. “Vi o quanto o descarte têxtil cresce a cada ano e quis buscar uma alternativa que aproveitasse o que normalmente seria lixo. O resultado é um tecido leve, semelhante à seda, e com textura próxima do algodão”, destacou.
Da cana ao tecido: o passo a passo da criação
O processo, segundo Gabrielle, exige paciência e precisão. Após a higienização do bagaço, o material passa por uma extração de celulose que dura cerca de três horas, em uma solução de água e soda cáustica aquecida a 80 °C. Em seguida, ocorre a clarificação com água oxigenada e, depois, a “formação”, etapa que transforma a massa rígida em uma fibra maleável.
“É como ver o bagaço virar um mini algodão. Depois, fazemos a fiação até chegar ao fio final. Todo o processo leva em média dez dias”, detalhou a professora.
Apesar do baixo rendimento, cerca de um quilo de bagaço gera apenas o equivalente a uma mão de tecido , o resultado desperta otimismo. “Se houver investimento e divulgação, o potencial de crescimento é enorme. É possível pensar em escalas industriais no futuro”, afirma Gabrielle.
Ciência que inspira
Para Thiago, ver o projeto selecionado para uma feira nacional é um sonho que se tornou realidade. “No início, não imaginei que uma ideia nascida em uma escola pública pudesse chegar tão longe. É uma prova de que a ciência pode transformar não só materiais, mas também vidas”, disse orgulhoso.
Potencial de impacto
De acordo com dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), apenas na safra 2024/2025, o Centro-Sul do país processou cerca de 680 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, gerando mais de 170 milhões de toneladas de bagaço. Hoje, a maior parte desse volume é usada para cogeração de energia nas usinas, mas novas aplicações, como o tecido desenvolvido em Goiás, abrem caminhos promissores para a economia circular.
Em nota, a Unica destacou que projetos como o da dupla “reforçam o papel da bioinovação na transição para modelos de produção mais sustentáveis”.
